QUARESMA E JUVENTUDE
Estamos
iniciando mais uma quaresma. Mais uma quaresma não entendendo por isso a
soma de outras já celebradas; mais uma não como repetição obrigatória.
Mais uma quaresma poderia ser entendida, pois, como mais uma vez nos
dispondo e nos expondo, como atitudes características de quem se sabe a
caminho, sempre no movimento das exigências e da dinâmica do caminho
próprio dos discípulos de Jesus Cristo. Isto porque na humildade da
disposição e na própria exposição àquilo que é próprio da comunidade de
fé, sabemos poder advir o dom e a graça de acolher mais intensamente a
nossa própria existência, como também nossa vocação de batizados.
Insistentemente e persistentemente nos dispondo e nos expondo com
reverência, inclinando-nos e nos deixando tocar pelo Senhor de todas as
graças, a fim de assumir o batismo de forma mais consistente. Por isso o
tempo da quaresma nos é oferecido para alimentar mais intensamente
nossa fé, através da escuta decidida, dedicada, atenta, prolongada da
Palavra de Deus; a participação intensa na celebração dos Sacramentos; o
exercício mais consistente da caridade; a observância persistente das
tradicionais práticas quaresmais: o jejum, a penitência e a esmola.
O tempo da quaresma nos recorda que a existência cristã consiste num continuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar e descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir aos nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus ... Tudo parte do Amor e tende para o Amor. O amor gratuito de Deus é-nos dado a conhecer por meio do anúncio do Evangelho. Se o acolhemos com fé, recebemos aquele primeiro e indispensável contato com o divino que é capaz de nos fazer “enamorar do Amor”, para depois crescer neste Amor e comunicá-lo com alegria aos outros (Bento XVI. Mensagem para a quaresma 2013. n. 3).
A Igreja do Brasil desejosa de fazer a experiência de subir o monte do encontro com Deus para então, em descendo pôr-se a serviço dos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus, quer durante este tempo de quaresma refletir sobre o tema “Fraternidade e Juventude”, iluminada e sustentada pelo lema “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8). Queremos, assim, durante esta quaresma celebrar mais uma Campanha da Fraternidade! Campanha esta que tem como objetivo geral “acolher os jovens no contexto de mudança de época, propiciando caminhos para seu protagonismo no seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz”. Esta Campanha da Fraternidade é também orientanda por três objetivos específicos: a) propiciar aos jovens um encontro pessoal com Jesus Cristo, a fim de contribuir para sua vocação de discípulo missionário e para a elaboração de seu projeto pessoal de vida; b) possibilitar aos jovens uma participação ativa na comunidade eclesial, que lhes seja apoio e sustento em sua caminhada, para que eles possam contribuir com seus dons e talentos; c) sensibilizar os jovens para serem agentes transformadores da sociedade, protagonistas da civilização do amor e do bem comum.
Dentro do espírito da quaresma, a Campanha da Fraternidade é para nós um convite para nos convertermos e irmos ao encontro dos jovens – lembremo-nos que em Puebla, a Igreja da América Latina e Caribe fez uma opção preferencial pelos jovens! – e, ao mesmo tempo, é um convite especial aos jovens para se deixarem encontrar por Jesus Cristo, caminho, verdade e vida (Jo 14,6) e seu Evangelho de salvação. Os jovens ‘são chamados a ser “sentinelas da manhã” comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus’ (Doc. de Aparecida, n. 462)
O encontro com Jesus sacia o coração, muda os rumos dos projetos pessoais de vida, transforma a existência. É a experiência do encontro com o senhor Jesus, com a Pessoa de Jesus que dá à vida um horizonte novo, e consequentemente a sua orientação decisiva.
Vivemos uma mudança de época que nos desafia, pois o que era tido como certeza, servindo como referência para viver, tem se mostrado insuficiente para responder a situações novas, “deixando as pessoas estressadas ou desnorteadas”. Vivemos tempos desnorteadores, pois critérios de compreensão, valores profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações estão sendo questionados e desafiados. Neste contexto surgem atitudes como o agudo relativismo, próprio de quem, não devidamente enraizado, oscila entre as inúmeras possibilidades oferecidas; os fundamentalismos que, se fechando em determinados aspectos, não consideram a pluralidade e o caráter histórico da realidade como um todo. Estas atitudes desdobram-se em outras tantas como, por exemplo, o laicismo militante, com posturas fortes contra a Igreja e a Verdade do Evangelho; a irracionalidade da chamada cultura midiática; o amoralismo generalizado; as atitudes de desrespeito para com o mundo ambiente, o ser humano, e o próprio Senhor. Por isso, todos nós que vivemos a partir da fé e na fé somos convidados a, com os olhos fixos no Senhor (Hb 12,2), atuar na vida do cotidiano o mandato do Senhor: Ide por todo o mundo e anunciai o evangelho a todos (Mc 16,15); promovendo a vida plena para todos (cf. DGAE 2011-15, n. 19-21).
Neste contexto sócio histórico os jovens se sentem atingidos por situações que repercutem em sociedade: ‘jovens desempregados; sem qualificação profissional, sem acesso ao sistema de ensino e à educação para os novos tempos; envolvidos com o crime organizado e com o tráfico de drogas; viciados em substâncias tóxicas; sem estrutura familiar sólida; vítimas de violências; em depressão e com falta de sentido na vida; consumistas e hedonistas; sem fé e sem experiência religiosa significativa; sem clareza de sua vocação e sem motivações para as opções fundamentais; carentes de princípios e de valores que iluminem seu amadurecimento afetivo; indispostos para a gratuidade diante do próximo; inconsequentes no uso dos meios de comunicação e das redes sociais; omissos diante das injustiças e das explorações e apáticos ao processo sociopolítico’ (Campanha da Fraternidade 2013. n. 245).
Trata-se de uma realidade complexa; são tempos que exigem de todos, reflexão, estudo, diálogo, oração. Cremos que somente assim poderemos, inspirados pelo Espírito Santo de Deus, encontrar indicações seguras para juntos respondermos ao apelo para uma autêntica conversão pastoral; conversão esta que é antes de tudo pessoal, mas que precisa também ecoar em nossas estruturas eclesiais (Cf. Campanha da Fraternidade 2013. n. 244) e, talvez, em nossas práticas pastorais.
A Igreja precisa dos jovens para manifestar ao mundo o rosto jovem de Cristo, que se desenha na comunidade cristã. Favorecendo sempre mais a efetiva participação e protagonismo juvenil na comunidade eclesial estaremos mostrando à nossa sociedade o rosto jovial da Igreja (cf. Campanha da Fraternidade 2013. n. 229).
Que a Quaresma seja para todos nós tempo privilegiado de penitência. Que a Campanha da Fraternidade nos auxilie a rezar e a refletir mais intensamente sobre questões que tocam nossa juventude – patrimônio nobre de nossa nação!
Dom Jaime Spengler
Bispo Auxiliar de Porto Alegre